Relatos Selvagens (Relatos Salvajes)

Direção: Damián Szifrón

Elenco: Ricardo Darín, Erica Rivas, Rita Cortese, Nancy Dupláa, Dario Gandinetti, Oscar Martinez, Osmar Nuñes, Margarida Molfino

 

  Um das melhores sensações que o cinema pode proporcionar é quando ao assistir um longa metragem sem saber absolutamente nada sobre a produção, você é pego de surpresa por sua qualidade, aproveitando cada minuto da narrativa sem ter ideia dos destinos dos personagens. Tudo isso graças ao bom trabalho da direção, alternando vários estilos – drama, comedia, suspense e Rodie Movie – fazendo o espectador sair da exibição com aquela satisfação de ter visto um excelente filme.

   Dividido em seis episódios – contado a sequência de abertura chamada “Pasternak” – somos apresentados a uma série de situações e estudos de personagens e comportamento humano, onde a única ligação entre as eles é a direção de Damián Szifrón, imprimindo uma dinâmica perfeita entre os atores e apoiado em um ótimo roteiro – do próprio Dámian – com altas doses de humor negro, acasos, conflitos sociais em diálogos afiados.

    Já na abertura ocorrendo no interior do avião, testemunhamos uma situação que poderia soar absurda e impensável pela sua magnitude – numa conclusão para lá de impactante– sendo muito bem conduzida com certo tom de mistério, onde sequer nos importarmos como todo aquele jogo doentio foi concebido com todos os personagens, até os últimos segundos, envolvidos diretamente na trama.

   Sendo assim devemos – principalmente nos capítulos seguintes – notar a facilidade do diretor em alternar os papéis entre os protagonistas (de vítima ao algoz) e como o mesmo consegue criar o clima perfeito para os momentos cômicos e ao mesmo tempo tensos. As histórias seguintes também são dignas de análises individuais, pelo desenvolvimento dos personagens, pelas premissas e suas conclusões. Mas mesmo assim tentarei analisar de maneira mais breve cada uma.

   No segundo episódio (“Las Ratas”) a coincidência fala ainda mais alta, quando a garçonete de uma lanchonete a beira da estrada em uma noite chuvosa, recebe a visita de um homem– sendo ele motivo de toda a tragédia familiar da moça – e influenciada pela cozinheira (Cortese) com um passado suspeito tenta de maneira bem direta dar a cabo ao seu drama, mas a sede de vingança pode atingir vitimas inocentes. Neste episodio o diretor já demostra o bom domínio de cena e os diálogos entre elas são ótimos pela sua naturalidade e agilidade (e o humor negro claro).

  O terceiro (“El más Fuerte”) assume mais ainda o estilo Roadie Movie inserindo-nos num atrito – com doses de escatologia, humor nonsense e violência bruta– entre dois motoristas de classes sociais distintas em que no final torna-se tudo numa grande tragédia. Novamente o diretor proporciona uma grande direção, com detalhes tipo: a câmera levemente tremendo por um breve segundo nos inserindo ainda mais na cena e o fato de antecipar a chegada de um dos protagonistas com um leve ventar de poeira.

   O quarto episódio “Bombita”, Simon (Darin) trabalha com explosivos para a prefeitura de Buenos Aires, e devido a uma multa de transito perde o aniversário da filha aumentando a decepção da esposa e filha por sua falta de comprometimento. Identificarmo-nos imediatamente com a luta dele para reaver o seu carro mediante a burocracia do sistema. E apesar de tomar a mais extrema das decisões, ironicamente ele obtém aquilo que mais desejava: ser ouvido, respeitado e no fim ter o carinho da família – um detalhe interessante que antes de levar adiante seu plano surge refletida no rosto de Simon a mesma luz azul do inicio do episódio, antecipando o seu ato (mesmo artifício usado no episódio anterior).

   O quinto episódio chamado “La Propuesta” acentua a questão social quando o filho de um rico empresário causa um acidente fatal e influenciado pelo interesseiro advogado, faz uma proposta ao jardineiro da família para assumir a culpa pelo acidente e assim livre o primogênito da prisão. Este talvez seja o episodio com final menos impactante, mas não menos reflexivo diante da moralidade – ou falta dela – do advogado, policia e empresário diante da sede de vingança da mídia.

   O último episódio “Haste La muerte nos separe” fecha com louvores, alternando mais uma vez a visão dos protagonistas durante uma festa de casamento que começa com os tradicionais sorrisos, votos de felicidade e parentes chatos e termina em uma confusão generalizada e sentimentos aflorados.

  Quando a noiva Romina – Erica Rivas excelente – descobre a traição do futuro marido momentos antes a valsa do casal ela parte para o ataque onde todos indiretamente e diretamente são envolvidos. Mais uma vez o domínio de cena do diretor e a montagem imprimem o ritmo certo, ratificando o início do texto onde somos testemunhas e ficamos tão tensos como fôssemos um convidado da festa.

 Podemos descrever outros vários momentos que a direção faz presente de maneira única: o leve sincronismo do movimento da noiva com Danúbio Azul , o uso do mesmo ângulo de câmera do primeiro episódio ao seguir Romina (cuja aparência vai se deteriorando a cada cena), a rima de cores entre ela e o cozinheiro, e o timming perfeito para o humor quando o noivo num getos torna o clima  ao mesmo tempo tenso. 

Cotação 5/5