Boyhood

Direção: Richard Linklater

Elenco: Ellar Coltrane, Patricia Arquette, Lorelei Linklater, Ethan Hawke, Marco Perella, Steve Chester Prince e Jamie Howard.

 

   Ao escrever sobre Boyhood, hesitei por inúmeras vezes como iniciar, desenvolver e finalizar este texto, uma vez que toda a identificação gerada pelo filme é feita de maneira tão abrangente. Ninguém estará imune de apreciar a bela obra do diretor Richard Linklater sem trazer para si – e de maneira tão particular – os sentimentos que o filme invoca, tornando cada visão algo ainda mais especial e único. Sendo assim, inevitável vir à tona as minhas próprias lembranças e uma gama de sensações.

   Todos os nossos relacionamentos são aprendizados.Pessoas entram e saem das nossas vidas de tempos em tempos, cabendo a cada um aproveitar os bons e únicos momentos – além de aprender com os difíceis –, sem olhar para trás com aquele sentimento de nostalgia. Admito que tenho certa dificuldade para tal.

   Tal como a “Trilogia de Amor” – filmado durante o decorrer dos anos –, Boyhood consegue tornar suas evidentes qualidades ainda mais explícitas, principalmente ao focar no protagonista -- uma criança -- que cresce e envelhece aos olhos do público(assim como todo o elenco) durante os doze anos em que o longa demorou a ficar pronto.

   Quando conhecemos Mason (Coltrane), verificamos que ele é uma típica e tranquila criança que começa a conhecer o mundo (e revistas com modelos de lingeries), vivendo em constante conflito com a sua irmã Samantha (Linklater) -- personagem no qual que se destaca no início do filme por ser a menina cativante e esperta. A mãe deles (Arquette) luta diariamente para dar o seu melhor para o sustento de seus filhos, mesmo que isso traga problemas de relacionamento com homens que não aceitam as suas prioridades.

   Quando a família se muda e uma nova etapa da vida recomeça , a mãe faz questão de deixar bem claro para que os filhos não olhassem para trás e não que não deixassem "rastros" que denuciassem suas presenças na antiga residencia. Assim, os desenhos na parede dos quartos dos filhos são apagados, assm como as medidas na soleira da porta que marcavam o crescimento das crianças.

   Logo conhecemos o pai das crianças (Hawke): um jovem músico que vive de pequenos trabalhos e divide um pequeno e bagunçado apartamento com um amigo. As crianças têm por ele um grande carinho, vendo-o não somente como pai, mas como aquele amigo com que pode trocar experiências. Ele tenta a todo custo retribuir a atenção, mesmo com o desprezo da mãe, que decorre do relacionamento conturbado e imaturo que ambos tiveram no passado.

   Como o filme trabalha com um grande período da vida dos próprios atores, era mais do que necessário que a continuidade e a montagem terem grande importância. A direção fez um trabalho maravilhoso ao tornar estes saltos no tempo quase imperceptíveis, deixando apenas evidente o crescimento dos protagonistas falarem por si -- agora a mãe casou-se com um ex-professor (Parella), pai também de dois filhos pré-adolescentes, e que vivem confortavelmente juntos numa bela casa.  

   O roteiro é do próprio Linklate, que fez questão de posicionar o público de maneira clara e no tempo correto, pontuando com exemplos que todos nós podemos reconhecer facilmente: como o fato das crianças crescerem juntos com os personagens dos filmes de Harry Potter e a evolução dos jogos e equipamentos eletrônicos, além da trilha sonora que perpassa tais períodos (passando de Coldplay a Lady Gaga).

   Como todos nós, crianças ou não, estamos sujeitos a momentos de dificuldade. Mason sofre com a violenta mudança de comportamento de seu padrasto – agravado pelo alcoolismo –, tornando-o uma figura oposta de seu pai. A mãe, antes tão independente e forte, torna-se omissa diante da crise e perseguição que o filho sofre, obrigando a deixarem novamente esta vida para trás, mas agora de maneira abrupta, e a seguir em frente novamente.         

   Outro grande mérito do filme é não criar situações com início e fim, mas simplesmente mostrar toda a trajetória dos personagens e seus crescimentos como pessoas de forma leve e sem ser superficial. Acrescentando um pequeno toque de fantasia e motivação ocorre quando Mason questiona o pai sobre a vida realmente . Esta cena fornece momentos de magia que um mundo infantil um tanto acostumado com as inúmeras mudanças, com a resposta que tais momentos estão na nossa frente o tempo todo. 

   A maturidade do filme se exemplifica nas conversas de Hawke diante dos dilemas adolescentes (sexo, futuro profissional, drogas e até religião) e a preocupação para que os filhos não cometam os mesmos erros. Este momento é ratificado pela mãe – agora uma professora de psicologia – que aceita o fato de Mason sair com amigos e estar suscetível à bebida e drogas, mostrando respeito mútuo e, principalmente, confiança.    

   Mais um ciclo se fecha e outro se inicia quando o introspectivo Mason assume responsabilidades pessoais e profissionais, tal como Samantha. Mesmo com a dor da mãe ao ver aquelas (antes) indefesas crianças partir rumo à vida adulta,nada mais lindo do que constatar que todo o caminho percorrido pertence a uma grande aventura chamada vida, na qual não devemos chorar ou lamentar pelos percalços ou amores não concretizados e sim desfrutar desta oportunidade que nos é dada, reconhecendo em cada segundo a sua magia.

Cotação 5/5