Livre (Wild)

Direção: Jean- Marc Vallée

Elenco: Reese Whiterspoon, Laura Dern, Thomas Sadoski, Keene McRae e Michiel Huisman.

 

Baseado no romance de Cheryl Strayed, “Livre” retrata a viagem feita pela própria escritora através dos desertos americanos, em um auto reconhecimento feminista, que apesar da delicadeza de sua narrativa em determinados momentos, se torna de certa forma um longa irregular devido à falta de uma abordagem mais contundente.

Em sua primeira cena o filme deixa explícito que será um filme de superação à dor – física e emocional – sendo assim, vamos conhecendo aos poucos as motivações que levaram Cheryl (Whiterspoon) a trilhar este caminho em busca de respostas e motivações para seguir em frente.

A fragilidade e inexperiência de Cheryl e retratada de maneira interessante em sua preparação, quando constatamos a dificuldade dela em montar seu equipamento de viagem. Principalmente ao erguer sua gigantesca mochila de viagem (apelidada de “O monstro”) contrastando e subjugando o tamanho desproporcional da diminuta Reese Whiterspoon.

 O diretor Jean- Marc Vallée usa da mesma estrutura conforme vista em “Clube de Compras Dallas” e apesenta as motivações da protagonista através de flashback, intercalando com sua peregrinação através do país. Entretanto, aqui a narrativa é mais linear e óbvia.

Com o uso de flashbacks sendo necessário para montar a base dramática, era importante que tal recurso funcionasse bem. Assim, podemos dizer que todas as qualidades provem obviamente de Laura Dern, interpretando o papel de Bobbi, a mãe da protagonista. A atriz apresenta com competência uma personagem incentivadora, prestativa com os filhos e apesar das dificuldades sempre tenta não permitir que a “vida real” chegasse a Cheryl e no irmão Leif (McRae).

A identificação deste relacionamento é engrandecida pelo fato de Cheryl não compreender e até sentir-se envergonhada e entediada (quem jovem nunca?) com as conversas da mãe. E que diante dos problemas de saúde de Bobbi, o sentimento de culpa e dor da perda rende bons momentos, mostrando que o elo das duas (que estudam juntas) era mais forte que sugerido.

Contudo, a própria Bobbi se torna uma personagem controversa diante do contexto do filme: se por um lado (devido o relacionamento da mãe com o padrasto), ela se torna um exemplo a não ser seguido por Cheryl, é inaceitável o filme deixar a entender que a submissão da mãe diante da violência do padrasto seja visto como um pequeno lapso.

A atriz Reese Whiterspoon sai-se bem nas duas frentes, tanto em compor a derrocada como mulher entregue a vícios e sexo (em que a atriz se desnuda), quanto na busca da sua redenção durante sua peregrinação como filha, mãe e esposa.

Entretanto, sua abordagem pelo roteiro desta segunda parte é superficial e não apresenta nenhuma grande passagem (ou personagens) que engrandeça muito sua caminhada, fazendo a identificação ser diluída ao poucos durante a projeção, comprometendo seu ritmo.

O aspecto feminista é abordado de maneira interessante (mas excessiva), como o fato de praticamente todos os personagens masculinos soarem ameaçadores ou infantis, apenas para torna-la uma espécie de exemplo motivacional para os outros andarilhos e ressaltar sua independência.

Assim como é interessante acompanharmos gradativamente a personagem se desapegando de seu passado quando a cada lugar novo que chega, as paginas dos lugares que passou são arrancadas fazendo a metáfora apropriada de sua libertação. Ou como não mais assinar os livros com seu nome em conjunto ao ex-marido e sim as influências literárias de sua mãe.

Todavia, o roteiro insere dramas e contexto de maneira pouco natural e com certa insistência a questão de insistir ou desistir do percurso motivacional da Cheryl. Como no fato durante carona, tocar exatamente uma musica cujo trecho (“Não pode ir mais para casa”) explicita sua condição – musica esta desligada abruptamente, dando o tom de volta a realidade.

 A direção através de sua fotografia e montagem consegue um bom trabalho ao expor vários ambientes sem ser prejudicada pelo contraste, como o fato de Cheryl passar de uma floresta para uma montanha coberta de neve ou quando através de um plano explicita a solidão, tendo apenas a luz da barraca contrastando com a escuridão do deserto.

Em seu final o longa ainda escorrega ao inserir algumas rimas (se não desnecessárias), que enfraquecem um pouco a narrativa, como no encontro com uma criança e usar de um artifício para recordar sua mãe pela ultima vez, mesmo que o simbolismo seja forte.

Estruturalmente correto, ”Livre” apesar de tudo, pelo menos deixa claro para o público que o objetivo de percorrer aquela estrada em busca de uma nova vida foi alcançado, apenas com sua determinação e lembranças ao som da bela “El Condor Pasa” de Paul Simon.

Cotação 3/5