Garota Exemplar (Gone Girl)

Direção: David Fincher

Elenco: Ben Affleck, Rosamund Pike, Kim Dickens, Carrie Coon, Tyler Perry, Neil Patrick Harris, Lisa Banes, David Clennon, Missi Pyle e Emily Ratajkowsky.
 

 O que fizemos? O que poderia fazer? Começando com estas perguntas “Garota Exemplar” – tradução ignóbil – é uma mistura de thriller de mistério baseado em um estudo de personagens atraentes com a direção sempre segura de Fincher.Contendo altas doses de criticas a exposição do indivíduo diante de uma sedenta mídia que não mede esforços para saciar seu público, sendo a aparência mais importante que os fatos – juro que fiz um paralelo com o período eleitoral que estamos passando – mesmo que isso chegue a níveis entre a vida e a morte.

  Assim chegamos a uma pequena cidade do Missouri, silenciosa e acordando para os acontecimentos que virão mudar a rotina da cidade. Conhecemos o escritor desempregado Nick Dunne (Affleck) que em suas conquistas em festa elegantes usa todo o seu romantismo para se aproximar de Amy (Pike). Deste encontro e juras de amor, o relacionamento flui com direto a uma bela cena onde o casal dentro uma nuvem de açúcar troca o primeiro beijo – cena na qual terá influencia na motivação de um dos personagens.

  O roteiro de Gillian Flynn começa a partir daqui, desenvolver o tal mistério, ajudado pela direção de Fincher – que através da montagem – não faz o espectador sentir-se deslocado com os flashbacks demonstrando que a situação do casal foi se deteriorando ao decorrer dos anos, através das crises pessoais e econômicas e onde sexo era usando apenas como fuga para ele.

  Como os personagens são demasiadamente importantes, não podemos deixar destacar a figura de Margo Dunne (Coon) interpretando a irmã de Nick, servindo de ponto de referência moral para o protagonista diante da perda da mãe, assim como “psicóloga” para os desabafos dele no bar da família entre rodadas de jogos de tabuleiro – entre eles o “jogo da vida”– e rodadas de bebidas.

  A mistura de gêneros e dubiedade dos envolvidos se intensifica a medida do desaparecimento de Amy e a consequente a suspeita sobre Nick que em nenhum momento se mostra desesperado – inclusive esperando a policia sentando sobre a bancada da cozinha – sobre o sumiço da esposa. Assim mais uma camada surge na tela: Rhonda Boney – em uma boa atuação de Kim Dickens – que segue o padrão de policial determinada em busca apenas da verdade, doa a quem doer.

  A crítica à mídia e sua capacidade de promover o que ela deseja e mostrada pelo cenário armado pela imprensa local dando o destaque ao desparecimento, transformando tudo em um circo – com muito da ajuda da própria família – com direito a selfies e sorrisos usados para atacar quem o publico deseja. E neste caso podemos admitir que o próprio filme nos deixa neste momento como um destes espectadores, para futuramente no decorrer a revelação dos fatos, nos transformarem em cúmplices.

 Como dito anteriormente a montagem merece elogios por não permitir que a narrativa se torne algo cansativo por mostra o lado de Amy—que teve sua vida exposta por ter sido transformada em personagem literário com grande sucesso entre o público infantil, gerando uma frustação e uma crise de identidade – e contar sua visão – através de um diário em as letras passando de azul para vermelho simbolizando a raiva da mulher com o casamento e os atos de violência sofridos e crises financeiras, transformando Nick em culpado, agravado pelo fato do marido ser totalmente indiferente à vida social da esposa.

 Como em um novela ou reality show as surpresas vão se sucedendo e as pistas vão sendo literalmente sendo mostradas, levando o espectador a acompanhar as investigações. E quando na metade da projeção descobrimos o que realmente ocorreu, “Garota exemplar” assume duas narrativas paralelas: uma mostrando Nick e sua corrida para provar a sua inocência – ainda mais fragilizada pelo surgimento da sua amante Andy (Ratajkowsky) – sendo defendido pelo advogado Tanner Bolt (Perry), um advogado especializado neste tipo de causa em que a mídia se faz presente com toda força e mesmo em poucas cenas se mostra um personagem seguro e carismático.

 E do outro lado temo a fugitiva Amy que se fazendo de vítima (será?) – motivada pelo ciúme, desleixo e agressividade do marido que a fez mudar de cidade e vida – leva seu plano ao mais alto limite da frieza e psicopatia que uma mulher poderia atingir quando Desi Collings (Patrick Harris) – antigo namorado de Amy– serve de peça maior para sucesso do seu plano maquiavélico. O que nos leva a pensar quem realmente seria mais culpado na história, com os papéis e olhares sendo invertidos de uma hora para outra.

 E como estamos falando de aparência diante da sociedade, nada mais satisfatório ver como a direção trabalha bem este aspecto da busca da mídia em achar um culpado – incluindo levantar suspeitas falsas sobre os irmãos – como o fato de mostrar como uma pessoa pode ser “montada” para aparecer diante da TV– através do exemplo quando Andy surge na mídia para assumir seu relacionamento com Nick, e Amy ao ver a cena pela TV descreve a impressão que os detalhes que a roupa da menina deve passar – assim como um político.

 Nick ciente do poder que a mídia tem, e em uma ação corajosa perante as câmeras(numa decisão acertada de apenas revelar ao público posteriormente)inverte mais uma vez os papéis obrigado Amy – agora mais presa a seus doentios atos – não encontra outra solução a não de entrar no jogo, para o deleite do público do filme, feliz com o final em meio a sangue e dor sem ter uma mínima ideia do que realmente se passou. Cegando até mesmo a razão, vista na cena em que o raciocínio do detetive Rhonda e ignorado pelos superiores – detalhe interessante da cena é o fato de durante o depoimento de Amy todos os policiais estarem no escuro da sala como estivessem invisíveis aos acontecimentos.

 Com um final um pouco mais extenso que talvez pudesse ser, mas útil, somos presenteados com um clima de nervosismo soando por vezes engraçado onde Amy – invertendo os papéis – gera um ambiente de desconforto e motiva o retrocesso violento de Rick agravado pela revelação diante da TV. E para desespero da irmã de Rick, o mesmo não tem nada a fazer a não se questionar: O que poderia ele ter feito?

Cotação 4/5