O Poderoso Chefão

 
 
 

Alguns filmes possuem uma qualidade tão grande que constantemente são denominados como o melhor filme de todos os tempos, causando eternas discussões devido a estas tais listas. Temos, por exemplo: “Cidadão Kane”,” E o vento Levou”, “Casablanca” e tantos outros.

 Mas acredito que apenas “O poderoso Chefão” possui todas as características para torná-lo sem dúvidas uma obra prima completa em todos os quesitos, e encabeçar este restrito grupo de melhores filmes da história do cinema.

Assim, tentarei desmembrar tais itens e compartilhar o meu humilde conhecimento sobre este filme aprendido durante a releitura deste clássico, e principalmente o que aprendi durante as aulas que participei sobre “O poderoso Chefão” administradas pelo mestre Pablo Villaça.

Parte 1 – O início

Como todo grande filme de sucesso que se preze, “O poderoso chefão” também possui seus problemas em sua concepção que poderiam comprometer para sempre sua existência. Para inicio de conversa, o longa sofreu um preconceito por ser baseado em uma historia de uma família de gangster, cujo estilo estava praticamente morto em Hollywood (tanto que a distribuidora ordenou que o filme fosse ambientado nos anos 70).

 O próprio livro escrito por Mario Puzo, apesar de grande vendagem, não era uma obra assim tão elogiável. O livro possui passagens e longos capítulos dedicados a assuntos surreais como o tamanho do pênis de Sonny e as cirurgias de redução da vagina de sua amante Lucy.

Fora o fato em algumas importantes passagens o escritor antecipava o desfecho (como a morte se Sonny), para apenas posteriormente mostrar como ocorreu a cena, perdendo assim todo o seu impacto -- uma escolha literária que cinematograficamente não teria muito efeito.

 Os grandes estúdios tinha uma lógica para lá de preconceituosa para quem entregar seus filmes. Uma destas lógicas era que os filmes de gangsteres não fazia sucesso porque eram “dirigidos por judeus”. Portanto, seguindo esta lógica, os longas deveriam ser dirigidos por diretores de origem italiana -- como se todo italiano fosse criminoso.

 Assim o filme foi oferecido a Sergio Leone, mas o diretor dos clássicos Spaghetti recusou a proposta por estar envolvido em outra obra prima de sua autoria: “Era uma vez no Oeste”.  Portanto a Paramount oferece a direção ao novato diretor Francis Ford Coppola. O diretor até então tinha dirigido apenas dois filmes (“Caminhos Mal traçados” e “Caminhos do Arco-íris”) e mesmo assim não ficou muito confortável ao ler o livro de Mario Puzo, pois achou o romance de extremo mau gosto.

Seguindo o conselho de seu amigo George Lucas, e claro por causa das próprias dívidas, Coppola mudou de ideia e achou “por bem” filmar. Portanto Coppola se debruçou sobre a obra de Puzo e desmembrou todo o livro, tirando os excessos e focando no que o livro tinha de melhor: a saga da família Corleone e as entranhas da máfia Siciliana. Toda visão do escritor sobre o modo de viver dos mafiosos, foi algo tão bem feito que acreditava-se realmente que Puzo fizesse parte da máfia.

Uma figura importante foi fundamental para o sucesso do filme: Albert S.Ruddy .O produtor segurou os executivos da Paramount que estavam sempre a ponto de demitir Coppola durante as filmagens e a não acatarem qualquer desejo do diretor -- principalmente se tratando do elenco.

Ruddy também manteve contato com a máfia durante bom tempo que não gostaram de se verem retratados daquela maneira – problema resolvido cedendo algumas vagas de figurantes. O produtor também encarou a fúria de Frank Sinatra que ficou ofendido como a sua “imagem e semelhança” no personagem de Jonnhy Fontaine.

 O filme teve um orçamento de aproximadamente seis milhões de dólares (baixo para os padrões da época), e qualquer problema que pudesse aumentar tal quantia seria fatal para Coppola. Sendo assim o diretor solicitou à distribuidora que a equipe e elenco fossem escolhidos por ele, e sendo Coppola um diretor "recém-saído da faculdade" as chances disso acontecer seriam remotas.

Parte 2 – Elenco e mais problemas

Os problemas envolvendo a pré-produção estavam apenas começando e o primeiro grande risco de ser demitido foi na escolha do próprio elenco. Coppola desejava trabalhar com atores em que confiava (James Caan, Robert Duval e a irmã Talia Shire, por exemplo) e exigiu que para o papel de Michael Corleone fosse interpretado pelo também novato Al Pacino, no qual o estúdio sempre recusou.

O estúdio negou o pedido do diretor exigindo nomes como Robert Redford, Dustin Hoffman e Jack Nicholson. Entretanto, por mais excepcionais atores que fossem nenhuns deles tinha a característica que Coppola desejava: lembrar um jovem militar de origem italiana.

Todos os testes que Al Pacino fez para o personagem (Stallone também foi cotado), eram proporcionalmente recusados pelo estúdio, a ponto de Pacino informar a Coppola que estaria desistindo dos testes devido a má vontade do estúdio com ele.

Todavia, o diretor insistiu para que o ator continuasse os testes. Com o estúdio reprovando os testes de Al Pacino, Coppola por outro lado recusava proporcionalmente os atores indicados pelo estúdio. Ou seja, por simples e pura insistência Al Pacino foi finalmente aceito para o papel e Coppola ganhou a primeira queda de braço com o estúdio.

 Mas o embate maior estava preste a ser deflagrado, e o motivo de todos os problemas que causavam calafrios nos executivos da Paramount tinha nome e sobrenome: Marlon Brando. Nesta altura o mítico ator era um senhor de 45 anos e não seria tão natural interpretar um chefe da máfia 20 anos mais velho.

 O estúdio pensava na outra lenda -- Laurence Olivier -- para o papel do chefe da máfia, mas por respeito e admiração que a geração de Coppola tinha por Brando (e um pouco de birra com os executivos), o diretor insistiu que o papel do patriarca dos Corleone fosse feito pelo maior ator do mundo.

  A fase que Marlon Brando atravessava não era das melhores: dívidas, brigas conjugais e escassez de recursos financeiros que eram sumariamente gastos em investimentos mal sucedidos, fizeram o ator aceitar o papel. Mas o estúdio ciente dos problemas que Brando sempre causava nos bastidores e durante as filmagens, tratou logo de estabelecer um limite.

 Coppola se viu em uma encruzilhada com as cláusulas para aceitarem Brando no filme.Tais cláusulas eram: o cache do ator fosse de 50 mil dólares, que Brando assinasse um seguro milionário por qualquer problema que causasse durante as filmagens e que o ator fizesse um teste para a aprovação do estúdio.

 O cache foi aceito, e Marlon Brando -- não acreditando na força do filme -- não quis saber de receber parte da renda do filme. Esta decisão o ator deve ter se arrependido por muito tempo, pois “O Poderoso Chefão” foi uma das maiores (ou maior) bilheteria do cinema até a chegada de Tubarão de Spielberg anos depois. Tanto foi um erro a decisão que o ator tratou logo de pedir um cache absurdamente alto para a época (cinco milhões aproximadamente) para interpretar o pai do Superman em 1978.

 Assim como o cache foi aceito com facilidade, a cláusula de segurança também foi assinada sem grandes problemas. Mas pedir para o maior ator do mundo e ídolo maior de sua geração fazer um teste soaria como a maior ofensa que poderia ser feita para ambos os lados.

Coppola, entretanto teve uma ideia que soaria arriscada: fazer com que Marlon Brando acreditasse que o teste que faria em sua própria casa seria para maquiagem. Assim, a equipe de Coppola preparou o ator (envelhecendo-o mais de 20 anos), e tratou de filmar.

Mas ainda faltava alguma coisa e Marlon Brando fez jus à reputação, enchendo suas bochechas de algodão modificando sua voz e postura, fazendo nascer uma das emblemáticas figuras do cinema: Don Vito Corleone. Ao ver o vídeo, o estúdio não pôde dizer não.

Parte 3 - As Filmagens

O interessante das discussões com o estúdio deu-se por Francis Ford Coppola ter ganho todas. Ele exigiu Al Pacino, Marlon Brando, que o filme fosse de época e conseguiu.  Outra grande discussão vitoriosa de Coppola foi quanto à trilha sonora  -- que o diretor fez questão que fosse composta por Nino Rota -- e a duração do filme.

As quase 3 horas de duração -- mesmo como um intervalo no meio da sessão -- não agradavam os executivos que exigiram um corte que transformasse a película em um longa metragem com pouco mais de duas horas.  Após o corte o próprio estúdio reconheceu que o filme ficou completamente sem sentido, e com a ajuda do produtor Albert S.Ruddy aceitaram a versão original e ainda sem o tradicional intervalo.

Os atritos durantes as filmagens, entre Coppola e o diretor de fotografia Gordon Willis, não paravam, tudo por divergências de estilo e visão. Gordon Willis constantemente questionava a escolhas de Coppola em público, principalmente quanto ao posicionamento das câmeras.

Um exemplo destas divergências aconteceu durante as filmagens da sequencia do atentado a Don Vito, onde Coppola usou a câmera posicionada de cima para baixo. Willis retrucava que a câmera tinha que ser a visão de alguém e Coppola provavelmente cansado da discussão disse que a visão então seria de Deus.

Gordon Willis era conhecido como “Mestre da escuridão” por trabalhar como ninguém as sombras e contrastes da fotografia. Proporcionalmente a sua genialidade era seu comportamento difícil, tanto que por várias vezes gritava com atores quando estes não seguiam milimetricamente as marcações que ele fazia nos cenários – menos com Marlon Brando claro, por motivos óbvios.

O diretor de fotografia por vezes era tão exigente ou por implicância que raramente fez elogios ao resultado final sobre “O poderoso Chefão”. Gordon Willis era sincero ao extremo, e para ele a única cena realmente bonita foi um dos planos mostrando a paisagem da Sicília (também admitia certo excesso de sombras em uma ou outra cena do filme).

 Abaixo uma cena demonstrando o trabalho magnfico de Willis. A cena parece uma pintura de Caravaggio.

Parte 4 – O Casamento

Quando diz que “O poderoso Chefão” vale por pelo menos um período de uma faculdade de cinema, não é para menos -- claro que não é necessário ser um estudante para apreciar toda a qualidade do filme, mas caso preste atenção e conheça tais detallhes, garanto que sua experiencia será inesquecível.

Estruturalmente perfeito, o filme leva o tempo exato para apresentar todo o mundo da família Corleone através da tradicional festa de casamento entre Connie (Talia Shire) e Carlo (Gianni Russo) ocorridos dentro dos domínios da família.

Em contra partida a este mundo de alegria, risos e cores, somos apresentados ao sombrio mundo dos Corleone no escritório de Don Vito Corleone (Brando). Gordon Willis não é chamado de “mestre da escuridão” à toa: o escritório está imerso nas sombras com a luz realçando somente o necessário dos personagens e mesmo assim predominado os contrastes nos seus rostos.

Assim como são realçados objetos vermelhos espalhados pelo cenário, ratificando a violência que mancha a família. A direção cria o contra ponto através do som, onde a música da festa e das pessoas conversando entram suavemente pela fresta da janela daquele lugar.

“Deus abençoe a América”. A frase inicial do filme dita por Bonasera (Salvatore Corsitto) a Vito Corleone deixa bem claro que estamos diante de um filme sobre os EUA (e a influencia da “Família” na sociedade americana). Tal influência e ratificado no pedido de Bonasera, quando este pede vingança pela violência que a filha sofreu.

 Para ratificar o conceito família existem “duas” famílias no mundo de Don Vito: A “família” composta pelos filhos, noras e netos. E existe a “Família” composta pelos amigos, parceiros e afilhados dos negócios dos Corleone.

 Neste momento um dos pontos altos do livro de Mario Puzo se sobressai nas palavras de Don Vito: “Você vem aqui no dia do casamento de minha filha e me pede para matar”, “Você vem a mim sem respeito me tratando com um assassino e nem sequer me chama de... padrinho”.

 As cenas do casamento são dignas de aplausos, Coppola conduz com maestria todos os detalhes, os figurantes (muitos parentes do diretor), as músicas, o envolvimento dos personagens, transformando o espectador em convidado daquela família tão alegre e afetuosa, que é impossível a não identificação com eles.

Parte 5 – Personagens

 Não há nada na sequencia do casamento que não seja pensado, e todos os personagens são perfeitamente apresentados. Sonny (Caan) é o impulsivo substituto de Don Vito, que não mede esforços para não controlar seus ataques de fúria e trai a mulher com Lucy (que faz a referencia sobre o tamanho do órgão sexual dele).

 Um dos mais importantes e austeros personagens é Tom Hagen (Duvall), o único sem ascendência Italiana (ele é Irlandês), mas de todos os mais centrados por ser o Consigliere de Don Vito. Mas mesmo tendo o respeito de todos, sofre certo desdém, principalmente de Michael, que sempre o chama pelo nome completo dando ênfase a sua não italianidade.

Conhecemos outros personagens de grande importância e carisma na trama, como Jonnhy Fontaine (Al Martino), um cantor – inspirado em Sinatra -- de grande prestígio na comunidade italiana, e que necessita de um pequeno favor de Don Vito: convencer o dono de um estúdio de cinema a aceita-lo no papel principal de um filme (“Farei a ele uma oferta que ele não recusará”).

O pedido do afilhado a Don Vito gera um das mais famosas cenas do cinema: a cabeça de um cavalo na cama do diretor que recusou o pedido feito por Tom Hagen. Para titulo de curiosidade a cabeça do cavalo era real!

Outro personagem carismático é Luca Brasi (Bacchiocci) fazendo o papel de segurança dos Corleone e que demonstra grande devoção a “Familia”. Atuar não era o forte de Bacchiocci, tanto que ele se demonstrou tão nervoso ao ter que contracenas com Marlon Brando que Coppola usou tal nervosismo para desenvolver o personagem. 

Antes de Luca Brasi pedir a benção a Don Vito, o ator ficou treinando suas falas e o diretor filmou tal cena como realmente Sollozzo tivesse nervoso ao falar com o padrinho. Uma pequena decisão, mas genial em seu contexto.

Falar de Marlon Brando como Don Vito Corleone é algo necessariamente óbvio, que devemos sempre exaltar. A caracterização do ator é perfeita, e mesmo que soe estranho o aspecto devido ao enchimento das bochechas ele sempre exala respeito e afetuosidade (sempre exaltada na fotografia de cores douradas na maioria das cenas do personagem).

Como ouvi durante as aulas (e foi genial), Don Vito fazia aquela máfia da antiga, a “Máfia Malandra”, onde a palavra e um favor valem mais que qualquer contrato assinado. Marlon Brando durante todo o filme exalta o personagem usando seus “Brandismo”, no caso seria uma atuação mais natural, mais gestual, menos rígida, quase inconsequente que somente ele era capaz de fazer.

Um exemplo deste tipo de atuação é a cena da reunião em que ele recusa a oferta de Sollozzo. Brando gentilmente serve uma bebida e posteriormente limpa gentilmente um pouco que cai sobre a roupa do mafioso. Ou quando brinca como neto de maneira espontânea no final do filme (detalhes que claramente vem do ator e não do diretor ou roteiro), no qual ele até ajuda a posicionar a criança em cena.

Finalmente chegamos naquele que realmente é o protagonista da saga: Michael Corleone (Al Pacino). Lembro-me bem do impacto causado ao ver o filme pela primeira vez e a transformação do jovem Michael até se tornar o Don -- simplesmente uma das maiores atuações da historia do cinema.

Al Pacino incialmente se mostra um jovem até de certa maneira americanizado se envolvendo com a jovem Kay (Diane Keaton) e tenta a todo custo não se aproximar dos negócios da família e nem que a namorada saiba muito (apesar de algo quase impossível).

Don Vito sabe dos anseios do filho em se tornar alguém longe da Família, mas também sabe que ele é o único que poderá assumir seu lugar. Entretanto Michael torna-se um Don completamente diferente de seu pai e com uma personalidade das mais perigosas, misturando as “duas famílias” e causando sua quase destruição.

Parte 6 – Começo do fim

Como estamos falando da América, a evolução do crime é naturalmente retratada quando surge um novo ramo nos negócios: o tráfico de drogas. Negócios este condenado por Don Vito por ser algo vi, baixo e perigoso.

A reunião com Sollozzo é ponto crucial do filme e como disse o professor Pablo Villaça, é o acontecimento que muda para sempre a historia dos Corleone. Este cena tão importante não poderia ser tão bem representada pela direção e atores envolvidos como feito no momento que Sollozzo percebe que Sonny aceitaria caso fosse o Don.

 A expressão e olhar de Don Vito, assim com dos outros integrantes da família -- reprovando as palavras comprometedoras de Sonny -- diz tudo.Tal comentário gera posteriormente umas dos outros grandes diálogos do filme: “Nunca deixe ninguém fora da Família saber o que esta pensando”.

 Esta abordagem delicada de Coppola na condução dos diálogos e na interação dos atores é uma das grandes qualidades do filme. Em nenhum momento o diretor apela para grandes saltos ou preparações para enfatizar os grandes momentos, deixando-os que eles falem por si, confiando na sensibilidade do espectador e ns grande atuação do elenco.

 A partir desta cena a tensão aumenta, e o filme aponta para seu lado sombrio e violento. Os Corleone estão pressionados e a única maneira do acordo ser aceito é  a morte de Don Vito.

Os momentos de violência se sucedem transformando para sempre o destino de todos os personagens. Começamos com a morte de Luca Brasi que possui um detalhe da direção de artes bem interessante somente identificado a muito custo: ao entrar no bar para se associar a Sollozzo vemos à imagem de Luca Brasi através de um vitral com desenhos de peixe (antecipando seu destino de “dormir com os peixes”).

Na sequencia em que Tom Hagen é sequestrado por Sollozzo, Gordon Willis realmente admitiu que exagerou nas sombras , principalmente quando mostra um plano mais aberto. Mas revendo, principalmente em Blu-ray, não é nada de grave.

O atentado a Don Vito é outra sequencia marcante do filme, tanto pela construção da cena e reconstituição, quanto nos pequenos gestos de Marlon Brando, como por exemplo, no ato que de comprar as laranjas, ele jamais entra em contato direto com as frutas, apenas aponta para o vendedor qual ele deseja. Este pequeno gesto, despercebido por muitos, fornece grandes informações sobre o personagem, como o fato de Don Vito por ser uma figura poderosa, jamais se serve, ele é sempre servido.

Durante o atentado confirmamos a personalidade de Fredo, que deixei para falar neste momento por ser um personagem extremamente abandonado, que ajuda a completar o cenário e tem grande importância no futuro da família (mesmo que trágica).

John Cazale interpreta um Fredo de maneira sensível, uma criança presa no corpo de homem que não consegue olhar nos olhos de ninguém e jamais poderá ter uma posição de destaque. O seu despreparo psicológico e tão grande que nem em um momento de desespero do pai consegue empunhar uma arma – se tornando uma ofensa de certa maneira devido suas origens.

 Um personagem sempre subestimado, jogados pelos cantos juntos das mulheres e crianças para enfatizar sua fraqueza naquele mundo. E mesmo quando consegue uma evolução de personalidade -- ao assumir os negócios da família em Las Vegas -- ele consegue ser bem sucedido.

Obs: Sempre que houver laranja no filme (fruta ou cor) significa morte.

 

Capítulo 7 – A transformação

Com a ausência de Don Vito o caos toma conta da família Corleone. Sonny assume o seu lugar, mas com o comportamento explosivo, ainda mais agravado pela agressão que Connie sofre de Carlo.E a primeira ordem como Don é matar de maneira inconsequente e sem um momento de reflexão tão característico de seu pai.

Michael ainda se mantem afastado do mundo dos Corleone e vivendo seu romance com Kay, mas ao saber do atentado contra o pai, seus instintos se afloram. Detalhe interessante que a cena que Michael lê sobre o atentado ao pai foi dirigida por George Lucas.

Outro momento delicado em que a direção de Coppola -- em apenas uma cena arranca grandes significados-- é quando Michael ao ligar de um telefone público para casa para saber notícias do pai ele fecha a cabina de telefone na frente de Kay. A atitude tem grande significando: por mais que ele nutre um carinho pela namorada, a família vem sempre em primeiro lugar e ela deve-se manter sempre longe deste mundo.

As ordens para matar Paulie e Bruno Tartaglia transforma completamente o ambiente, assumindo a guerra com as outras Famílias. A direção de arte demonstra este momento de maneira delicada, mas extremamente importante: em contra partida do inicio do filme em que os portões estavam sempre abertos durante o casamento de Connie com a fotografia colorida, agora estes mesmos portões encontram-se fechados, guardados por seguranças e com carros fazendo barreiras e uma fotografia cinzenta.

Coppola conduz a transformação de Michael minuciosamente, e a sequência ocorrida dentro do hospital para salvar Don Vito é uma verdadeira aula de como construir um suspense. E sendo a última barreira entre a morte e seu pai, Michael se mostra seguro e raciocínio rápido para salvar Don Vito.

Enquanto isso a edição de som faz novamente um grande trabalho aumentado o clima como os passos e portas se abrindo dentro dos corredores do hospital. Mesmo que a ameaça não se concretize, a direção mantem este suspense até o fim quando Michael novamente mostra todas as características de um líder e conhecedor daquele mundo, sugerindo que Enzo com apenas um gesto salve suas vidas e de Don Vito.

Interessante desta cena é que a fotografia de Gordon Willis novamente se faz presente quando no final da sequencia você apenas visualiza o que importante para a composição do cenário: a luzes das lâmpadas de natal, para situar a época e as luz indicando a porta de entrada do hospital.

A curiosidade da sequencia do hospital se dá após as filmagens: Coppola desejava incluir cenas dos corredores vazios para salientar o suspense e solidão do hospital. Mas o diretor simplesmente esqueceu-se de filma-las e seria impossível remontar toda a estrutura somente para isso -- fora o prazo e custo já apertados.

Então George Lucas sugeriu que Coppola usasse os rabichos de filmagens. Que são nada mais aqueles segundos que a câmera filma antes e depois ser desligada. Uma ideia simples, genial e que alcançou o resultado desejado.

 

Capítulo 8 – Nova atitudes

 Com a guerra declarada e sem alguém para apaziguar os ânimos, Sonny planeja a morte de Sollozzo e McCluskey. Neste momento temos uma cena simplesmente genial: Michael – já sendo consumido pelas suas origens – se candidata para o serviço. Para demonstrar tal atitude, o diretor aproxima a câmera lentamente em Pacino, agora sentado como um verdadeiro Don.

Dentro do restaurante em que ocorre o encontro com Sollozzo e McCluskey, Michael hesita a executar os dois como planejado e põe quase tudo a perder. Neste momento temos três curiosidades sobre o filme. A primeira é que após a cena, foi decidida que ali aconteceria o intervalo do filme, a segunda é que a cena durante algum tempo foi filmada de um ângulo superior (para desespero de Gordon Willis) apenas para mostrar o piso do restaurante que tanto agradou Coppola. A terceira curiosidade é que o casal ao lado da mesa são os pais de Coppola (nepotismo puro rs).

A esta altura, todo o mundo construído por Don Vito desmorona, e seu retorno do Hospital, por mais simbólico que seja para a família, nada será como antes.  Sonny se torna um Don impulsivo (maior dos erros), e esta característica é sua sentença final.

 O trabalho de James Caan como Sonny é ainda mais primoroso quando reparamos nos detalhes. Na cena que recebe a noticia de mais uma agressão que Connie sofreu das mãos de Carlo, ele morde a mão de raiva, como quisesse controla seu instinto animal. Tal detalhe é ratificado, pois o ator possui dois implantes que aumentam seus dentes caninos, que mesmo que o público não veja ,ajudam a compor o personagem e demonstra a preocupação da produção com os detalhes.

A cena da execução de Sonny sempre me impactou pela crueza da sequencia, mesmo Coppola não sendo fã da violência gráfica. Vendo o corpo de Sonny cravado de balas até hoje impressiona e tudo isso se deve ao filme “Bonnie & Clyde” com Warren Beatty e Faye Dunaway que abriu espaço para esta violência no cinema.

Tanto que a cena do próprio Poderoso Chefão um detalhe parecidos com o filme de 1967: o inicio do tiroteio se dá com um personagem se escondendo durante a emboscada.

 A cena possui um detalhe para quem gosta de erros de continuidade: após o tiroteio, o carro que se encontra atrás do carro de Sonny não possui nenhum tiro, apesar da cena anterior mostra o contrário.

Capítulo 9 – O autodescobrimento

A Morte de Sonny é a maior dor que Don Vito poderia sentir. E o roteiro fecha neste momento o arco de uma cena ocorrida no inicio do filme: o favor que Bonasera devia aos Corleone. O Choro do ator mesmo contido e com a maquiagem mostra toda a capacidade de um ator como Marlon Brando.

O ator James Caan mostrando grande respeito por Brando e até mesmo pela amizade com Coppola, fez questão de permanecer na maca do necrotério para ajudar compor a cena e a atuação, mesmo que não fosse necessário, devido ao fato de mostrar apenas os pés de Sonny.

Michael viaja para Sicília para, além de fugir por ter matado Sollozzo e McCluskey, mas também conhecer suas origens e da cidade onde seu pai nasceu. O contraste gerando pela fotografia de Gordon Willis explicita as condições dos personagens. Se em Nova Iorque, conforme dito anteriormente, temos uma fotografia acinzentada para gerar a frieza da cidade, na Sicília a fotografia torna-se acalorada e colorida, para exemplificar o clima da cidade italiana.

A direção Coppola gera grandes contrastes nesta parte do filme, e o maior deles é o envolvimento de Michael com a bela Apollonia (Simonetta Stefaneli) ao mesmo tempo em que Kay procura por ele na residência dos Corleone e é atendida por Tom Hagen. Michael já não demonstra a mesma paixão e esboça poucos sorrisos a esta altura, e depois do atentado a esposa ele muda completamente.

Reparemos que a residências dos Corleone cada vez mais se afasta daquele lugar aberto e alegre do casamento do inicio e o contraste fica ainda maior quando Kay surge com seu figurino colorido, saindo de um taxi (amarelo) contrastando com o preto dos seguranças e portões.

O figurino de Kay é um detalhe a parte. Cada vez que surge na tela a cor laranja predomina em suas roupas, mas aos poucos estas cores vão sumindo, como sua vida fosse sugada pelos Corleone (principalmente depois que casa com Michael).

Capítulo 10 – O lado Negro

O último “respiro de paz” da família Corleone se dá quando Don Vito se reúne como os outros chefes de Famílias , mas tudo não passa de um grande engodo para confirmar Barzini como o verdadeiro inimigo. E deste acordo a adaptação de Coppola acerta em cheio novamente, quando Don Vito confidencia a todos os chefes de Família que da parte dele não haverá mais mortes!

 Os clímaces finais do filme são com todos os méritos um dos maiores da historia cinematográfica. A cena da conversa entre Michael e Don Vito é um elixir para os cinéfilos, não somente pelo desfecho da narrativa assim como a passagem de bastão e o último passo de Michael para se tornar o novo Don.

Nesta cena temos um belíssimo plano quando os rostos de Michael e Don Vito se contra põe na tela representando o passado (Don Vito) e o futuro (Michael), tendo o plano dos Corleone já estabelecido e apenas aguardando o sinal para por em prática.

Este sinal é o show final de Marlon Brando para o público. Na cena em que brinca com o neto, o ator improvisou praticamente toda cena, ainda mais dificultada pelo fato da criança não atender muitos aos comandos de Coppola. Tanto que ao improvisar colocado um pedaço de laranja na boca, o garoto realmente chorou e assim foi confortado com um abraço por Brando. E para completar Coppola faz um lindo raccord com Don Vito sucumbindo no jardim e a cena do seu enterro.

A cena do enterro e representação de Al Pacino ao olhar cada um das pessoas que entregam flores no tumulo de Don Vito é algo assustador.  Podemos destacar neste detalhe como Coppola fez um trabalho de mestre ao transpor o livro de Puzo.

Na literatura -- por natureza -- a descrição literária que sente um personagem  em um livro é mais extensa e expositiva, mas no filme apenas o olhar de Al Pacino é necessário para passar ao publico uma gama de informações e sentimentos que no livro ficariam explicitas.

O contraste entre pai e filho fica bem claro quando os Corleone expandem seus negócios em Las Vegas: ao contrário de Don Vito, Michael mistura para sua conivência as “duas” famílias (algo impensável tempos atrás). Contraste este aumentado pela violência e rudez de Michael, que não possui a malevolência do pai para negociar contratos.

 O roteiro nos brinda com outro contraste com uma carga dramática única: o batizado do filho de Michael e Kay ao mesmo tempo em que todos os outros chefes da máfia são sumariamente executados a mando de Michael.

O público já estarrecido com o que se transformou Michael, “O Poderoso Chefão” ainda torna a figura dele ainda mais ameaçadora ao vermos Connie enfrentar o irmão, pela morte do marido. E por momentos tememos pelo destino de Connie, uma vez que Michael não demostrar qualquer remorso em tirar do caminho quem o atrapalhe –  como ratificado no segundo filme.

A persona do novo Don é fria, minuciosa e cruel. Kay inocentemente questiona Michael pelos seus atos, que sumariamente ele nega. A câmera do diretor deixa a esposa e o espectador sempre à espreita afastada daquele mundo, onde não podemos entrar sem pedir permissão de Don Michael Corleone.

O diretor, atores e toda equipe técnica honraram o Cinema com um dos marcos de sua história, deixando para sempre “O poderoso Chefão” como uma das maiores expressões artística que o homem produziu.

Cotação : Mil estrelas.