Praia do Futuro

Direção: Karim Ainouz

Elenco: Wagner Moura, Clemens Schick, Jesuíta Barbosa.

 

   Ao ver a “Praia do futuro”, não tem como deixar de lembrar-se do espetacular “Azul é a cor mais quente” que assim como o longa Francês, passa por fora e bate na cara do preconceito quanto a pregação (sem trocadilhos) de “filme gay”. Dirigido por Karim Ainouz , roteirizado em parceria com Felipe Bragança e protagonizado pelo eterno Capitão nascimento (Wagner Moura) e  Clemens Schick (Konrad), o filme conta a história diluída em três capítulos de umas salva-vidas que após uma tentativa de  resgate que resulta em morte, se envolve com o parceiro da vítima de afogamento.

   E logo de início, o longa  nos apresenta o mundo de Donato (Wagner Moura), após um belo plano sequência com uma corrida de motos entres as belas dunas contemplando a atmosfera do litoral da Praia do Futuro, e gerando um belo contraste quando estas motos se aproximam da vegetação com o mar ao fundo . E é interessante que por si só o nome da praia é algo simbólico para o filme (Que terá mais importância com o final do filme). E ratificando que o mar é algo constante como pano de fundo das cenas. O roteiro também já nos trás uma figura que terá uma grande importância no arco final da história que é o seu irmão caçula vivido de maneira forte por Jesuíta Barbosa, que vê em Donato sua idolatria infantil a ponto de chama-lo de Aquaman.

   Isso traz um grande peso para o protagonista que não digeriu a morte na tentativa de resgate frustrada e a consequência em lidar com isso.Neste momento Wagner Moura já nos entrega um personagem sensível em gestos e atitudes (olhando um companheiro tomando banho ou desfrutando do sol do litoral, por exemplo) e mesmo em um ambiente típico masculino com exibição de corpos suados na areia se exercitando ou no alojamento da corporação, jamais cai em qualquer caricatura.

  Quando menos se espera ,depois de burocráticas atitudes com relação ao corpo do desaparecido (interessante cena onde apenas ouvimos a voz do comandante) e um corte rápido, e sem pistas para possíveis recompensas (Obrigado curso) estamos testemunhando o encontro sexual de Donato e Konrad dentro de um carro, na beira da rodovia com se aquilo fosse uma parada para a longa estrada que teriam pela frente.

  E aí que o filme ganha pontos também por não tornar o encontro em algo de grande elaboração, e sim em algo casual entre duas pessoas que se sentem atraídas pelo outro. Até porque o diretor teve a coragem de tornar a cena entre os dois, algo forte e sem qualquer tipo de pudores (mas sem nada explícito). A intimidade dos protagonistas flui de maneira orgânica, mesmo sendo de mundos diferentes (Terra e Água) e sem artificialidade. O que é de grande importância, para que possamos contemplar o clima que a narrativa propõe, assim como os longos silêncios dos personagens em vários pontos do filme (alguns tomados pela escuridão, mesmo com o sol a sua frente).  O grande lema ou dilema que surge é o fato de ambos ganharem uma vida nova, a partir da morte, o que causa discussões entre os personagens, pelo fato de um (Donato) estar acostumado com este tipo de situação.

  A montagem ganha aplausos por tornar as transições de tempo coesas (mesmo que não claras), a direção de arte e figurinos também tem seus valores, assim como toda a parte de fotografia (como por exemplo, ao começar o segundo capítulo, somos jogados para a fria e cinzenta Berlim contrastando de imediato com o calor dos trópicos ) e o fato da cor vermelha estar sempre presente, tanto pelo fato de remeter ao passado de salva vidas de Donato, também pelo fato do forro do casaco de Konrad ter um tom avermelhado , demonstrando como os protagonistas estão ligados de maneira única. E portando , concluímos que nesta passagem de tempo a relação amadureceu.

   E por fim, conhecemos um pouco do mundo de Konrad através de seu apartamento e sua obsessão por motovelocidade, passando pela decoração do seu quarto, simples, branco sem muito que o prender. As situações evoluem de maneira delicada e lenta, e um detalhe interessante que até metade ou mais do filme, não há a participação de um elenco feminino. O que comprova a coragem do diretor em confiar na sua história e que não fosse taxada pela opção sexual dos protagonistas.

   Nesta altura do filme, a fotografia fala ainda mais alto, pois temos um Donato triste e com saudade da vida deixada para trás (Não sabemos o que aconteceu, até o momento) e percebemos isso porque o mesmo encontra-se deslocado pelo contraste entre o mar azul e o mar verde da bucólica e chuvosa Berlim, o que o afeta a ponto de resolver largar tudo e abrir espaço para uma discussão que o corte nos impede de ver, o que acho correto, pois não estamos falando de homens em atos de masculinidade e sim o amor dos dois que a esta altura está abalado.

   E novamente a direção nos entrega a montanha russa de emoções dos personagens , quando em  sequência , transam e brigam (não necessariamente neste ordem) ,tentam buscar alivio em fugas que não agregam em nada , como a corrida de moto e a deslocada dança em uma boate ,para posteriormente se entregarem ao destino traçado em Berlim e não no Brasil na bela cena quando estão se aproximando da estação que levaria Donato para o Aeroporto.

   O ato final, como não poderia deixar é o mais poético, simbólico e forte no sentido familiar da trama, onde finalmente, o agora um jovem adulto Ayrton, confronta o irmão mais velho e seu “herói”. Agora o arco dramático se fecha e preenchemos um pouco mais das lacunas deixadas anteriormente pelo protagonista. Neste momento, achamos a passividade de Donato um ponto negativo, pois descobrimos que o mesmo deixou a família (ignorando a morte da mãe) para, com diz o próprio irmão,  “Dar o c** no polo norte”. E ainda mais no momento que se encontra: Separado de Konrad e trabalhado com limpador de aquários. Detalhe que nesta cena aparece uma interação profissional com o sexo oposto pela primeira vez

   Talvez neste ponto o filme perca um pouco do ritmo (mas não importância), pois acompanhamos a vida em Berlim de Ayrton (que assim com o irmão deixou o Brasil em busca de respostas) sua adaptação à vida e ao amor com uma estrangeira e seus dilemas com o irmão e o parceiro dele. E logo depois somos brindados com belas paisagens (Todas frias e nebulosas ) o que somente ratifica a menção a grande fotografia. A praia sem água é um belo contraste e um contra ponto a ensolarada praia do futuro. Esta mesma praia desconhecida, onde Donato não sabe onde vai terminar, mas que sua liberdade, sua convicção e seu amor, podem e devem ajudar aqueles que estão ao seu redor, mesmo com as frustrações, brigas, fantasmas do passado rondem nossas vidas.

    E mesmo que não sejamos heróis, e que a névoa que esteja a nossa frente (Belíssima sequência com as motos se entrecortando e a narração em off de Donato) nos impeça de ver, somos livres.

   “Nós podemos ser heróis, apenas por um dia”. Nada mais apropriado e simbólico que o clássico de David Bowie para finalizar esta bela e sensível história.

   Obs. É pena (redundância) em saber que muitas pessoas (na minha foram três), saíram em meio as sessões do filme devido as cenas de sexo (que no total não devem ter mais que 3 minutos em um longa com aproximadamente 100 minutos) . O que prova a mentalidade retórica, ignorante e preconceituosa das pessoas.

 

Cotação 3/5