Sob a Pele (Com Spoilers)

Direção: Jonathan Glazer

Elenco: Scarlett JohanssonKrystof HadekPaul Brannigan

 

    Sob a pele é um obra intrigante e marcante.E já no começo do longa somos confrontados com uma tela preta , um ponto branco e sons diegéticos  , para logo depois vermos um espaço de maneira metafórica, com figuras geométricas e luminosas , como um alinhamento de planetas. Esta bela introdução termina em um olho se abrindo para o mundo, como acabasse de nascer (ou ser programado).

    A premissa do filme é particularmente invocativa e plástica. Vemos uma Scarlett Johansson se vestindo com as roupas de uma mulher lacrimejante e estirada ao chão (que entenderemos mais a frente). A fotografia e o design de produção  se destacam apenas usando o contraste do fundo branco, quase insípido, com as sombras nas personagens. E ao longo do filme a atriz Scarlett Johansson nos fornece uma personagem interessante e sensível. Se no seu filme anterior (“Her”), ela atua usando a sua bela voz, aqui seu gestos corporais (que gestos!) dão o tom certo para identificação com o público,  e sendo ajudada pela direção correta que deixa explícita estes nuances de maneira delicada.

    Enfim, até este momento o espectador não tem muitas informações claras, e isso não mudará muito durante a projeção (boa escolha do diretor) para, na cena seguinte, com uma câmera sendo usada de maneira quase que documental, a personagem de Scarlett Johansson surge em um shopping se misturando as cenas rotineiras da população, seus rostos e hábitos de consumo.

    Então finalmente o roteiro nos fornece a motivação da personagem através da trilha sonora que pontua (premeditando, o que às vezes é desnecessário) a ação da protagonista, que está em busca de humanos do sexo masculino e como uma predadora, levar sua vítima para seu covil e “abatê-la”. Sempre se preocupando com a discrição e se as vítimas estão literalmente sozinhas.

    Como as vítimas em nenhum momento demonstram medo ou receio de estarem em um lugar completamente inóspito e escuro, podemos sugerir uma hipnose, uma catarse masculina ou uma metáfora ao comportamento do homem, que perde qualquer senso de racionalidade para ter sexo fácil. Este sexo fácil, a personagem de Scarlett Johansson apenas sugere que irá fazê-lo, pois ao tentar de aproximar do objeto de desejo, a vítima silenciosamente é induzida a submergir na armadilha mortal, realçado pela sensualidade do andar da Scarlett Johansson como uma dança da morte. Gerando uma metáfora da que a água , neste caso ,não significa vida.

    E apenas na segunda vítima somos apresentados ao mecanismo extraterrestre, que usa o corpo humano como alimento. Esta sequência é particularmente especial, pois descobrimos como é, e para que serve a busca da criatura. Até nisso o design de produção é inteligentemente econômico. Em vez de algum artefato alienígena que pudesse destoar e nos tirar do filme, vimos apenas um rio de carne/fluidos se dirigindo ao algo que nunca vimos, mas sugerindo algo maior e pela predominância do vermelho, maléfico.

    Esta premissa do filme é algo que me encantou muito (outra decisão acertada da direção e roteiro), pois jamais vimos nada que revele muito sobre os extraterrestres, aumentando a curiosidade e induzindo ao pensarmos quem são estes seres e de onde vieram . Esta lógica aumenta com o surgimento de mais um destes alienígenas, como se fosse uma espécie de criador e polícia das atitudes dos seres que aqui estão para caçar, teoria comprovada pelo momento em que este personagem analisa sua cria (Scarlett Johansson) com fosse uma máquina que precisasse de manutenção ou atualização.

   E a partir do momento que a personagem de Scarlett Johansson, em mais uma busca, ela se depara com o acaso e imprevisibilidade humana. A nova vítima encontra na bela desconhecida, um pouco de carinho que jamais teve, devido sua aparência deformada e monstruosa que coincidentemente será a sua salvação.       

    É neste momento que o filme nos abre uma nova chance para reflexão, diante do nosso próximo e a protagonista toma a decisão que mudará seu destino. A autorreflexão diante do espelho sugere uma adaptação, uma mudança de comportamento, sentimentos e sensações novas, culminado em uma cena fetiche, com um belo close na boca da atriz ao experimentar uma fatia de bolo em sua tentativa frustrada de entrar naquele mundo que apenas servia de alimento. E consequentemente a quebra de um paradigma ao ser levada para casa de uma potencial vítima.

    Se no momento o relacionamento entre ela e o estranho possa soar meio forçado (como cena que ela é carregada apenas para não se molhar em uma poça) jamais deixamos de se identificar com a protagonista, agora uma vítima acuada, surpresa com o que chamaríamos de destino e ainda mais autorreflexiva, ao perceber a diferença anatômica entre ela e a espécie que ela caçava ,  em uma cena interessante. E esta indentificação aumenta , principalmente pelo fato de descobrirmos que seu “superior” está a sua caça devido ao erro que cometeu de não ter matado a vítima deformada (correndo o risco de serem revelados) junto com outros da sua espécie. E que nos remete ao inicio do filme, levando a crer que a mulher (ou versão anterior) que cedeu o lugar a protagonista também falhou talvez pelos mesmos motivos que a sua sucessora.

    As cenas finais ocorrem de maneira coesa e triste, a inocência involuntária da personagem da Scarlett Johansson, que se contrapõe sua natureza, é sua ruína. Pois em uma nova quebra de paradigma e inversão de papéis, ao esbarrar com um madeireiro na floresta, ela apenas busca informação e ajuda . Para em seguida vermos imagens sobrepostas da protagonista deitada em uma cabana com a floresta, antecipando seu destino pelas mãos do estranho que encontrou na floresta, que em uma tentativa de estupro fica surpreso a ver que a vítima (inversão de papéis) é algo que ele não compreende.

    Posteriormente temos uma cena que é particularmente a mais simbólica do filme, que é a protagonista de despindo da sua capa (pele) humana, revelando por completo o seu eu. Se o fato de ser completamente da cor negra, nos invoca a questão de igualdade , o filme ainda nos dá um toque a mais de simbolismo(religioso e metafísicos). Correndo em direção a neve (fechando a rima com o seu nascimento no branco), e depois de o agressor atear-lhe fogo, sua fumaça é elevada ao céu, em silêncio, como se pedisse ajuda e um pouco de consciência para entender ,como esta raça capaz de surpreender com gesto de carinho e dedicação , pode ao mesmo tempo ser capaz de atos de covardia.

Cotação : 4/5