Depois da chuva

Direção: Claudio Marques e Marilia Hughes

Elenco: Pedro Maia, Sophia Corral, Aicha Marques, Paula Carneiro Dias, Ricardo Pisani, Victor Corujeira e Talis Castro.

Se algum personagem de “Depois da Chuva” pudessem saltar no tempo, indo do ano de 1984 para 2015 veriam que todo seu esforço de conscientização politica – principalmente nos jovens – foi apenas um pequeno sopro diante do cenário pretendido por eles para o país recém-saído da ditadura. Iniciado durante as campanhas das Diretas já em 1984, “Depois da chuva” cria o imediatamente o paralelo e interesse politico daquela geração através do direito de escolha de seus representantes em uma eleição de grêmio estudantil de um colégio de Salvador.

A questão das eleições indiretas ou diretas para o representantes do grêmio são questionadas por Caio (Maia), sendo assim este o primeiro desafio criado para o protagonista com relação ao seu modo de pensar. Caio é um jovem desiludido com os rumos de um Brasil “escrito com Z” e passa as noites com amigos propagando a ideologia anarquista conta a “Demencracia” em uma radio pirata e ainda vivendo um relacionamento frio e distante com os pais.

Tal importância do grupo de amigos é engrandecida pelas boas performances de Paula Carneiro Dias e Talis Castro, como amigos de Caio e a jovem e carismática Sophia Corral como interesse romântico do protagonista. Tais personagens são essenciais para a formação do caráter e definir o futuro de Caio.

Mesmo que tudo possa soar como uma utopia, jamais poderemos deixar de considerar as intenções destes jovens (“Sejamos realista, façamos o impossível”), principalmente por passar a limpo toda esta geração e momento em que o país vivia. Tais fatos são ratificados de maneira interessante pela direção ao retratar todas as transformações como uma verdadeira bomba atômica (através de imagens de teste nucleares) que trará consequências para todos (vide a eleição e morte de Tancredo e advento do HIV).

Tal recurso de imagens é interessantemente inserido quando a direção usa um famoso comercial de jeans da época com jovens sendo presos por policiais. Tal metáfora pode significar a banalização da opressão, descaracterizando justamente a real intenção dos jovens anarquistas ávidos por mudanças. Entretanto a direção peca apenas pelo tom caricatural ao posicionar (desnecessariamente) o espectador na cena em que a mãe de Caio – interpretada de maneira fria por Aicha Marques, pratica exercícios físicos em frente a TV.

Mesmo visivelmente sendo uma produção de custo reduzido, é louvável que a mensagem dada pelo roteiro seja dada de maneira clara. Tal conteúdo de rebeldia e anarquismo contra o sistema é simbolizado em cenas como a apresentação de Caio, travestido, cantando uma versão pesada de “Negue” de Nelson Gonçalves - remetendo imediatamente ao relacionamento materno do protagonista.

A trilha sonora do longa é de vera importância. Além da citação acima, outro contraste de Caio com seu habitat é dado pelo fato de seus colegas ainda exaltarem uma época de através do hino estudantil “Pra dizer que não falei das Flores”, enquanto ele assume sua veia anarquista com o clássico “California Uber alles” dos Dead Kennedys , mais apropriada para aquele momento.

Mesmo se passando em 1984, o filme (infelizmente) se mantem atual em suas posições politicas e interpretações do cenário brasileiro. Como visto no momento em que o personagem de Talis Castro, se revolta dizendo que mesmo 40 anos depois estes mesmos homens hoje no poder ainda estão por ai coordenando o país (vide o exemplo de Paulo Maluf, Sarney... etc).

“Depois da Chuva” não trata apenas a questão destes jovens e suas visões dentro da situação sócio-política do País, mas sim como poderiam tornar mais úteis e dar um formato a seus anseios de mudanças. Ao contrário de Tales que não consegue de adaptar ao sistema, Caio sabe que a ideia do anarquismo puro e simplesmente não é viável. Tais mudanças devem ocorrer de dentro para fora do próprio sistema, cabendo a estes jovens a responsabilidade das mudanças.

 Assim surge o elo entre 1964, 1984 e 2013. Se na época do golpe, os militares usaram a “própria anarquia” como motivo para tomarem o poder, seriam incabíveis tais atitudes por parte dos jovens, principalmente por estarmos vivendo o período de abertura politica. Entretanto e infelizmente desde as passeatas de 2013, jovens e população em geral demostram sua indignação contra patrimônios públicos, pedindo impeachment e fazendo panelaços nos altos de suas coberturas, em vez de discutir ideia e cobrar do congresso a reforma politica – fora que ainda existem reacionários pedindo intervenção militar.

A direção especifica bem sua opinião politica, quando no terceiro ato transpõem de maneira icônica as imagens do cortejo do funeral de Tancredo Neves subindo a rampa do planalto com o momento que Caio adentra uma velha fábrica abandonada que serve de local de manifestação daqueles jovens ,fazendo alusão à própria sede do poder brasileiro devido ao seu formato que lembra os prédios do congresso.

Dividido entre sua intenção e o coração, Caio sabe que ele precisa amadurecer.  Trilhar um caminho que outros não conseguiram e cabe a ele - agora líder - galgar o exemplo para seus amigos rumo ao um país com melhores condições e voz para todos. E a tarefa tem sido árdua.

Cotação 3/5