Cássia

Direção : Paulo Henrique Fontenelle

Todas as palavras para resumir Cássia Eller seriam poucas diante desta artista extremamente tímida, mas que torna-se um verdadeiro furacão em cima do palco, criando um contraste quase surreal de uma mulher que apenas queria mostrar seu trabalho e seguir sua vida normalmente com pessoas que a amavam.

O diretor Paulo Henrique Fontenelle (Loki e Dossiê Jango) faz novamente um trabalho primoroso em reconstruir esta personagem sem ocultar qualquer detalhe de sua vida pessoal. Ainda conseguindo tratar de maneira contundente assuntos como o homossexualismo da cantora perante a justiça e o papel da mídia que não se preocupa em divulgar os fatos de maneira imparcial (como infelizmente ainda é feito hoje em dia), tratando de maneira irresponsável uma suspeita em fato consumado.

A montagem é feita de maneira linear e tal decisão do diretor se mostra acertada para não rebuscar desnecessariamente a narrativa. Sendo assim conhecemos através de reportagens e recortes de jornal a jovem Cássia demonstrando todo seu talento que a tornou diferenciada dentro do cenário músical.

Outro exemplo da capacidade da direção em mostrar um lado pouco conhecido foi durante o histórico show no Rock in Rio 3, ratificado pelo fato da cantora passar por dificuldades financeiras na épocapor certa inocência ou desleixo, mas isso não a impedia de ser Cassia Eller (a cena dela invadindo o palco para abraçar Dave Grohl e os erros de gravação no acústico são impagáveis).

As imagens de arquivos são suficientes para moldar o comportamento de Cássia diante do público. Como as entrevistas com os cabelos pintados que vemos uma doce mulher em contraste com a aparência preconceituosa da mídia que tanto bem resumiu a cantora Zélia Duncan: ”Uma mulher esteriotipada , chamada de sapatona, mas que do nada...aparece grávida".

Obviamente as entrevista que ajudam a construir a persona de Cássia são fundamentais e bem separadas dentro de seus contextos. Temos nas palavras e presença de Oswaldo Montenegro um tom mais “messiânico”, contando como aquela mulher veio para desmistificar a música ao se levantar contra (como o próprio compositor disse): “ As ridículas guerras dos guetos músicais”.

As palavras de Nando Reis são testes emocionais. O choro é inevitável com a sinceridade dos sentimentos do compositor com a figura de Cássia Eller – no qual singelamente queria reencontra-la e oferecer uma música. Mas a mais profunda homenagem é quando acompanhamos o crescimento de Chicão e o amor incondicional de Cássia por ele. Tornando – o que não poderia deixar de ser – a motivação de sua existência e mudanças de todo seus paradigmas pessoais e profissionais.

O amor e diversidade músical – mesmo após a morte prematura da cantora – são seus maiores legados, ratificado pela entrevista do próprio Francisco Eller (assustadoramente parecido com Cássia) que se mostra um jovem extremamente tímido (como a mãe), sorridente e simpático.

A presença de Maria Eugenia e sua firme personalidade diante das dificuldades do relacionamento polêmico com Cássia são o porto seguro e moral do documentário, principalmente pela questão de sua luta para ficar com a guarda de Francisco.

Neste ponto o direto Paulo Henrique Fontenelle mostra sua veia crítica a mídia ao escancarar a posição da revista Veja que já em 2001praticava um jornalismo irresponsável ao enquadrar a cantora como mais uma vítima do vício mesmo sem provas conclusivas (Cássia morreu de infarto agudo no miocárido e não foram localizadas substâncias ilegais no corpo da cantora).

Para as novas e antigas gerações é fundamental que as lembranças desta artista multifacetada que andava por todos os ritmos, jamais se esvaiam na medíocre nuvem de hipocrisias e caretices que sempre rondam nossa música e sociedade.

Cotação 4/5