Chico – Um artista Brasileiro

Direção: Miguel Faria Jr.

Com mais de 50 anos de carreira, falar de Chico Buarque poderia soar redundante (mas nunca cansativo) pelo motivo do artista já ter sua vida e obra desmembradas de diversas maneiras em inúmeros momentos e merecidas homenagens, incluindo uma série lançada em DVD em 2006 que trazia toda a história do cantor e compositor de maneira definitiva. Assim a pergunta que devemos fazer seria relacionada em que este novo documentário dirigido por Miguel Faria Jr traria como atrativo; e a resposta é tão óbvia quanto gratificante: o próprio Chico Buarque por Chico Buarque. Contanto com uma estrutura simples, por vezes contando com uma narração em off (a cargo de Marília Pêra), sem uma ordem cronológica rígida e que evita polêmicas aprofundadas, o documentário é um leve bate papo com o artista que desmitifica qualquer imagem de culto que não seja a da própria obra do autor, que fala por si como um registro da sociedade nas últimas décadas e soando mais atual que nunca - ratificando sua posição como um dos mais importante artistas da história da música brasileira.

Mesmo com esta estrutura, não podemos deixar de admirar quantas vezes for necessário, o reconhecido comprometimento do compositor nas questões políticas durante os anos de repressão militar em que sua obra alcançou o nível máximo de criatividade da MPB com obras primas do quilate de “Apesar de Você”, “Cálice”, “Cotidiano”, “Deus lhe pague”, “Quando Carnaval Chegar” e tantas outras apresentadas nas inserções musicais com artista como Ney Matogrosso e Milton Nascimento. Assim é importante que tais assuntos sejam sempre levados ao conhecimento do público e das novas gerações que carecem ou negam conhecer a história do próprio país. Um grande e interessante exemplo da capacidade do compositor era a criatividade para contornar os anos de chumbo com suas músicas que eram sumariamente censuradas - como por exemplo na música Partido Alto (“Na barriga da Miséria, nasci brasileiro”, mudada para “Na barriga da Miséria, nasci batuqueiro”), ratificando assim o sentimento de "Ame ou deixo-o" que imperava no Brasil na época da ditadura.

Confirmando a decisão de desmistificar o próprio Chico de uma áurea de intocável, o documentário dá uma leve pincelada no início de carreira como filho de um dos mais importantes historiadores do Brasil até chegar ao início da carreira com o sucesso “A banda” no Festival da TV Record na década de 60. Assim como ficou conhecendo grandes nomes que influenciaram sua carreira como Tom Jobim e Vinícius de Moraes, onde acabou se tornando uma espécie de mascote da turma que redefiniu a música no Brasil. Interessante e de certa maneira gratificante o fato do próprio Chico afirmar algo que sempre foi um tabu musical e que se perpetua até hoje: a bossa nova era um ritmo de uma elite (zona sul do Rio) e que esta minoria - por seu poder de influência na sociedade - fez com que o ritmo se tornasse o símbolo musical de um país multifacetado.

A passagem sobre o exílio do artista em Roma durante a ditadura acaba sendo um dos pontos altos do documentário, pois além de mostrar todo o sucesso que “A banda” fez no exterior (rendendo inúmeras versões), confirma ali a transformação do menino inocente que queria apenas fazer sua musica e agradar a todos, num profissional que precisava daquilo para sobreviver - incluindo uma hilária passagem contando os percalços de um artista brasileiro com o público europeu. A direção ainda consegue ainda criar certo clima de surpresa ao relatar um dos fatos menos conhecidos da vida pessoal de Chico Buarque: Um irmão alemão, fruto do relacionamento extraconjugal de seu pai.

Contudo faz um bem em saber que mesmo Chico Buarque ter nascido numa condição confortável e por vezes acusado de “esquerda caviar” por setores reacionários da sociedade, ele refuta a alcunha ao afirmar - além da questão da bossa nova - que o país não pode ser pintado como  um desastre musical que tanto vemos hoje em dia; por termos justamente hoje um espaço maior para multiculturas do pais e não somente um ritmo que não representa 90% da população. Quanto ao conservadorismo, não podemos deixar de notar que muito pouco mudou, devido ao fato de que em certo momento o compositor é questionado de sua sexualidade pelo fato de possuir a capacidade única como artista de se por no lugar dos elementos de suas músicas (engraçado ver a cena que Maria Bethânia relata surpresa de Mãe Menininha de Gantois ao saber que tais músicas foram feitas por um homem e não uma mulher, devido tanta perfeição em expor os sentimentos).

Chico Buarque não precisa de adjetivos para explicar sua importância, que não seja de uma pessoa simples que faz de sua genialidade uma obra disponível para que gerações possam aprender com um artista (e escritor) incansável, apesar das próprias limitações que o tempo traz a este genuíno artista brasileiro.

Cotação 4/5

It's dedicated to level 5.